Dos sucessores imediatos de Pedro na cátedra de Roma, o terceiro, de nome Clemente — escreve santo Ireneu no ano 180 — “vira os apóstolos e conversara com eles, ouvira a voz da pregação deles e tivera a tradição deles diante dos olhos”. Não é a única notícia que santo Ireneu nos dá do papa Clemente. Por ele sabemos que o autor da importante carta escrita pela Igreja de Roma à de Corinto é o papa Clemente. Fontes menos credenciadas atribuem a Clemente vários outros escritos entre eles uma carta sobre a virgindade, ou até mesmo um romance autobiográfico, obra evidentemente apócrifa, que testemunha todavia a clara luz que iluminou os nove anos do seu pontificado do ano 88 ao 97.
Foi dito que sua carta aos coríntios é a “epifania do primado romano”, enquanto este primeiro documento papal (protótipo de todas as cartas encíclicas que seriam escritas no decurso dos séculos) afirma a autoridade do sucessor de são Pedro, bispo de Roma, sobre outras igrejas de origem apostólica. A carta, escrita entre os anos de 93 e 97, enquanto estava ainda com vida o apóstolo são João, é dirigida à Igreja de Corinto, dividida por um cisma interno, porque um grupo de fiéis contestava a autoridade dos presbíteros. O papa Clemente confiava: “Vós nos dareis júbilo e alegria se, obedecendo às advertências por nós escritas com a graça do Espírito Santo, rasgardes a ilícita paixão da inveja”.
Com este primeiro ato do magistério, são Clemente deixou o único traço de sua vida. Não se está certo, por outro lado, que o Clemente citado na epístola aos filipenses por são Paulo seja o futuro sucessor de são Pedro; e é improvável que este seja o mártir Tito Flávio Clemente, porque escritores como Ireneu, Eusébio e Jerônimo (e o próprio ofício litúrgico do santo) ignoram o martírio do papa Clemente, a respeito do qual a fantasia popular teceu o enredo de inverossímil lenda: são Clemente, por ter convertido Teodora, esposa de influente oficial do imperador Nerva, teria incorrido na sua vingança. Acusado de feitiçaria, sedução e mandado a uma ilha para carregar barris de água, teria feito nascer um rio com simples toque de picareta. Mais que convencidos de estarem lidando com feiticeiro, os pagãos ataram-lhe uma âncora ao pescoço, jogando-o ao mar, que se retraiu para entregar aos cristãos o corpo do mártir para veneração.
Extraído do livro:
Um santo para cada dia, de Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini.