Quando lemos a passagem do Evangelho de Marcos deste domingo, compreendemos o porquê de a história do primeiro livro dos Reis ser proposta como primeira leitura. A liturgia quer nos mostrar o gesto da viúva pobre de Sarepta como antecipação do gesto da viúva do tempo de Jesus. A passagem em questão inclui duas partes.
A primeira é uma crítica contundente aos especialistas do direito, que se preocupam com as aparências e reivindicam para si os primeiros lugares. Não possuindo autoridade real, adornam-se para “fazer pose” e enganar. Cabe-nos ser precavidos contra essa atitude, sobretudo em nós mesmos. Especialmente porque essa preocupação com a exterioridade, que pode contaminar até as atitudes religiosas mais sagradas, como a oração, não raro esconde uma ganância que é ainda mais revoltante quando prejudica pessoas vulneráveis, como as viúvas. Quem age assim transgride os dois grandes mandamentos que Jesus havia acabado de recordar: o amor a Deus e ao próximo (Mc 12,29-30).
Essa transgressão é, muitas vezes, tornada invisível por falas e gestos religiosos cheios de pompa, a ponto de a pessoa convencer-se de que é virtude aquilo que, na realidade, não passa de hipocrisia. Tal cegueira, diz Jesus, renderá a mais severa condenação.
A outra cena coloca no centro uma dessas viúvas desamparadas. Da mesma forma que fez com os estudiosos da Lei, Jesus percebe a verdade escondida sob as aparências. Todos os ricos que colocavam grandes doações no baú destinado a coletar ofertas para o templo provavelmente o faziam ostensivamente, obedecendo a um comportamento comum entre eles. A seus olhos, a viúva sem um tostão, invisível na multidão, certamente passaria despercebida, exceto quando fosse para receber um julgamento de desprezo: duas moedas patéticas! É, porém, essa mulher que Jesus nota antes de chamar a atenção dos seus discípulos para ela.
Nas palavras de Jesus podemos perceber sua admiração por aquela que entrega “toda a sua vida” a Deus – algo que ele próprio está prestes a fazer. Contudo, como essas palavras do Mestre indicam que a mulher dá tudo o que tem ao tesouro do templo – o qual, por sua vez, está sob o controle daqueles que devoram os bens das viúvas –, podemos interpretá-las também como um juízo incisivo acerca do sistema vigente naquele tempo. Nesse sentido, essa viúva pode ser considerada a figura de todos os indefesos e injustiçados de hoje que são explorados das mais variadas formas, também pelo uso ilegítimo da religião.
Christian Dino Batsi, ssp
O objetivo deste periódico é celebrar a presença de Deus na caminhada do povo e servir às comunidades eclesiais na preparação e realização da Liturgia da Palavra. Ele contém as leituras litúrgicas de cada domingo, proposta de reflexão, cantos do Hinário litúrgico da CNBB e um artigo que trata da liturgia do dia ou de algum acontecimento eclesial.
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