Motu Proprio – Instrumental de gestão | Paulus Editora

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Igreja e Sociedade

11/05/2023

Motu Proprio – Instrumental de gestão

Por Dom Edson Oriolo

A Igreja é a continuadora da missão de Jesus Cristo que conferiu a Pedro e aos seus sucessores o encargo de gerir a ação evangelizadora ao longo da história. Hoje, o bispo de Roma tem como atribuições: a vigilância da Palavra de Deus, da celebração sacramental e litúrgica, da missão, da disciplina e da vida cristã na Igreja. Para exercer essas responsabilidades, o papa se utiliza de pregações, homilias, conferências, palestras, discursos, e, principalmente, dos documentos pontifícios.

Os documentos pontifícios são reservados ao papa e são expressões do magistério. Eles vêm completar, explicitar, adaptar, orientar, formar e contextualizar a doutrina da Igreja com o objetivo de proteger a Revelação Divina, de acordo com as exigências de renovação e adaptação ao tempo e ao espaço.

Atualmente, podemos identificar vários documentos pontifícios:

  1. Bula Pontifícia: decreto papal escrito de forma solene, selado sub plumbo, o lacre de chumbo, que dá um caráter de forte Por exemplo, documentos de nomeação e transferência dos bispos;
  2. Breve: uma bula menor, como a concessão do título honorífico de basílica;
  3. Rescrito: documento com o qual o pontífice responde a um pedido;
  4. Encíclicas: carta circular que orienta os fiéis quanto a determinados pontos sobre fé, moral ;
  5. Constituições: assuntos de grande importância na vida da Igreja, como a Lumen Gentium e Gaudium et Spes, documentos conciliares sobre o ser e o agir da Igreja;
  6. Motu Proprio: uma carta de iniciativa do próprio papa;

O Motu Proprio é um documento pontifício emitido diretamente pelo papa em forma de decreto. Explicita o modo como historicamente a Igreja vai atualizando os dados da Revelação, no contexto do tempo e do espaço. Podemos afirmar que é um ato administrativo do sucessor de Pedro sobre temas com objetivos próprios, relacionados à administração, normas e regras canônicas e pastorais. Esse documento ajuda muito a Igreja como instituição a ganhar uma atualização em sua configuração eclesial, em seu processo de organização e administração. O conteúdo do Motu Proprio pertence ao âmbito da instituição e pode tratar de aspectos litúrgico- rituais, jurídicos, administrativos, canônico-pastorais e devocionais da Igreja.

O papa Inocêncio III, no século X, foi o primeiro a escrever um Motu Proprio. Muitos outros papas também escreveram: São Paulo VI (1963-1978) escreveu 47, São João Paulo II (1978-2005) deixou 29, Bento XVI (2005-2013) redigiu 13 e, atualmente, o papa Francisco, desde 2013, emitiu em torno de 50.

Esses documentos de “iniciativa própria do papa” vêm respondendo a determinadas situações como desburocratizar, organizar, gerir e modernizar a configuração eclesial nos aspectos administrativos, canônicos e pastorais. Muitas pessoas se afastam da instituição eclesial por julgarem-na cheia de normas e interdições, continuando a se revelar intransigente, autoritária, rubricista, casuística e de caráter clerical e moralista.

Contudo, o espírito do Motu Proprio é orientar a Igreja na perspectiva de uma atuação mais ministerial, missionária, mistagógica e pastoral. A Igreja, inserida numa cultura em rápido processo de transformação, tem a missão de estar atenta aos sinais dos tempos (cf. GS) e interpretá-los à luz do Evangelho. Não se trata de uma interpretação arbitrária, voluntarista nem ideológica, pois requer estar em constante diálogo com as dioceses do mundo inteiro. O diálogo e a atenção redobrados para os acontecimentos mundiais impõem a todos os dirigentes eclesiásticos saber informar o magistério pontifício. Isso se chama coparticipação e corresponsabilidade, o que exige abertura e humildade.

Os Motu Proprio demonstram a perspicácia do bispo de Roma em governar a Igreja no espírito da sinodalidade, pois, além de gozar de uma posição privilegiada no sentido de saber, ter e obter informações privilegiadas do que acontece no mundo, o que lhe dá uma visão de conjunto muito ampla, abre horizontes para arrancar as ferrugens dos setores administrativos, canônicos e pastorais, exercendo sua missão com maestria.

Os Motu Proprio são de caráter circunstancial, que expressam de forma bastante sintomática a perspectiva que o seu autor, o papa, quer imprimir à Igreja. Assim, quando Bergoglio propõe uma comunidade eclesial em saída, temos que ler, estudar e aprofundar esse tipo de decreto para entender as direções e transformações que se está desejando dar à Igreja. Acredito que gerações têm passado em branco quanto ao significado dos textos dos documentos eclesiásticos. A maneira lenta como isso acontece, além da árdua tarefa de perceber a atuação assistencial do Espírito Santo, requer um convencimento das mentes e corações dos pastores e dos fiéis.

Peçamos ao Espírito que nos dê sabedoria e justo entendimento para nos abrirmos à sua ação transformadora, realizada por intermédio do magistério de Francisco.

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