Deepfake em tempo de eleições | Paulus Editora

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Igreja e Sociedade

20/10/2022

Deepfake em tempo de eleições

Por Dom Edson Oriolo

Nos últimos dias – queiramos nós ou não – nos vemos envolvidos no processo de convencimento eleitoral em vista do segundo turno. Em alguns estados, a campanha visa a eleição para governador e, a nível nacional, para presidente. Todos os meios de comunicação se ocupam exaustivamente do tema. Mesmo na vida habitual, notamos como a política passa a fazer parte de nosso universo de reflexão e convivência.

A Igreja, “que vive entre as casas dos seus filhos e filhas” (Cristifideles Laici, 26), não está ausente de tal realidade e é chamada a “abrir os exaustores” de uma sociedade convulsionada pela polarização, abordando os valores da cidadania e conscientização política, convidando as pessoas a recobrarem a serenidade e a usarem o bom senso. Cumpre, assim, a sua missão que paira sobre o ideológico e o partidário.

Os candidatos estão de olho no voto dos eleitores, trabalhando maciçamente pelas redes sociais e, não raro, apelando para a sensibilidade social, o compromisso moral e as crenças religiosas tradicionais do povo. Penso que nos compete, enquanto pastores do Povo de Deus, alertar para os riscos que se apresentam, sobretudo no universo digital: fake news, manipulação de informações (falas, imagens e vídeos), oportunismo noticioso e etc.

Em face das múltiplas ferramentas digitais que estão disponíveis e da ingenuidade de muitos, o processo de evangelização deve pautar a conscientização quanto ao senso crítico diante do que recebemos e a ética na pulverização destes conteúdos, mesmo que favoreçam o candidato de minha preferência. Creio que o recurso da moral tradicional sobre a influência das “paixões” (ser a favor e contra) na tomada de decisão por votar em A ou B é algo que é explorado pelas redes sociais, deve ser objeto de correção moral. Embora não se possa eliminar os sentimentos na hora de tomar partido, creio que se deve apostar na racionalidade por mais difícil que seja.

Nesse contexto, a Igreja não está medindo esforços para evangelização no mundo digital e defronta-se com recursos que devemos, minimamente, ter noção. São ferramentas que nem sempre são bem usadas no cenário (écrans) virtual. Esse mundo digital, baseado no algoritmo, faz-nos defrontar com bolhas digitais, ou seja, com envio de assuntos segundo o uso que fazemos da internet como que condicionando nosso universo de notícias. Junto com bad news, good news, fake kews, surge a deepfake, ampliando o mundo da pós-verdade.

As deepfakes são vídeos criados pela inteligência artificial com a finalidade de imitar as expressões e até a voz da pessoa, fazendo com que o sujeito possa aparentar, fazer ou dizer algo que nunca fez. Trata-se de um recurso ou ferramenta que tem uma finalidade que pode ser desvirtuada por quem a maneja. Por detrás da ferramenta está sempre um ser humano que é o responsável pelo uso que faz desse instrumental. Essa prática polêmica já se encontra nas redes sociais. Está se tornando uma brincadeira entre os adolescentes, jovens e também sendo usada para sátiras com autoridades e pessoas comuns.

Hoje, os membros da geração dos écrans virtuais têm uma facilidade enorme na criação de vídeos falsos usando deepfakes em espírito de brincadeira, mas com alta dose de ingenuidade. Existem diversos aplicativos capazes de fazer manipulação de imagens com resultados convincentes. Esses vídeos, criados pela inteligência artificial, produzem a aparência, as expressões e até a voz de alguém do mundo real. São vídeos falsos cada vez mais realistas e com evolução da tecnologia fica difícil de discernir o que é real e o que não o é.

Essa técnica, usando a inteligência artificial, manipula o rosto das pessoas. Essa substituição de um rosto ou de uma fala tem sempre um objetivo e uma intenção humana. Como são vídeos manipulados pela perfeição técnica, torna-se difícil saber o que é o real ou falso. Colocar rostos de pessoas em vídeos ou em fotos dos quais os indivíduos não participam é sempre uma fraude. O intuito é enganar os espectadores. Pode-se dizer que se trata de uma mentira profundamente bem construída. Com tal ferramenta criam-se sátiras políticas; humilham-se pessoas, colocando autoridades ou pessoas comuns à sombra do ridículo; aumentam a desinformação; manipulam discursos de personalidades políticas e eclesiásticas.

O que acentua a dificuldade é o fato desse recurso ser disponibilizado pelo seu caráter curioso e que pode desvirtuar a imagem de alguém. Isto pode ser um simples objeto de diversão (um brinquedo sofisticado), mas pode também ter uma conotação mais pejorativa pelo intuito de colocar o indivíduo como vítima, não só de ridículo, mas de desonra. Assim, fere-se a sua dignidade ou prejudica suas atividades e convivências familiar, eclesial e social.

Há uma responsabilidade moral tanto para quem utiliza de forma perversa o instrumental como para quem o recebe e o difunde. Por mais que se queira exaltar a inteligência artificial, o seu universo radica-se na criatividade humana e, como tal, é regido pelos princípios de individualização, personalização, conhecimento e comunicação da verdade e pela responsabilidade quanto aos resultados bons e maus das próprias ações.

No entanto, usar a inteligência artificial como um falsificador incorrerá em muitos desafios. Dizem os especialistas que daqui a três anos ficará difícil distinguir o verdadeiro do falso. Temos que nos alertar e sermos mais proativos, críticos em relação aos vídeos que estamos recebendo e compartilhando. Uma expressão que vamos escutar muito, uma mentira profundamente bem construída.

A popularização do deepfake fica no aspecto curioso ou divertido, sem atinar para a má intenção com que faz uso desse recurso. O que falta, portanto, é a educação para o discernimento de como se confrontar com um resultado perverso que é veiculado nas redes sociais. Existem indicativos que nos ajudam a identificar um vídeo manipulado, com o rosto desfocado e embaçado, movimento dos olhos, bocas e sobrancelhas, entre outros detalhes perceptíveis.

Contudo, com a evolução da tecnologia, é possível concordar que ficará difícil, mas não impossível, distinguir o verdadeiro do falso. Afinal, desde que as tecnologias da comunicação sobre a vida (fumaça, tambor, rádio, televisão) e da representação da vida (pintura, fotografia, cinema) foram sendo aperfeiçoadas, usos com diversos sentidos foram feitos e pouco se conseguiu em termos de como saber interpretar as informações seja em temos de palavras seja em termos de imagem.

Finalmente, a evangelização dá importância aos meios de comunicação (cf. EN 45), ao contato pessoal (cf. EN 45), aos sacramentos (cf. EN 45) e principalmente a verdade que é o próprio Cristo (Jo 14,6; 18,37-38). A internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos; e isto é uma coisa boa, é um dom de Deus. Formas atuais de comunicação nos orientem efetivamente para o encontro generoso, a busca sincera da verdade íntegra, o serviço, a aproximação dos últimos e compromisso de construir o bem comum. No entanto, não podemos aceitar um mundo digital projetado para explorar as nossas fraquezas e tirar fora o pior das pessoas (cf. FT 205).

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