Reflexões metodológicas sobre a elaboração de relatórios técnicos

Por: Flaviana Aparecida de Mello[*]

Este breve artigo tem por finalidade apresentar algumas pistas metodológicas importantes para a elaboração de relatórios técnicos.

Como a produção de relatórios é usual em diversas áreas profissionais – como Serviço Social, Psicologia, Pedagogia, Medicina, Arquitetura, Direito, entre outras –, que estão presentes em serviços e/ou equipamentos institucionais – como nas áreas de assistência social, saúde, saúde mental, habitação, educação, sociojurídico –, observo que há pontos estruturais em comum e que podem contribuir para a atuação profissional; considerando suas atribuições, competências, e demais especificidades.

Inicialmente, é relevante destacar que teoria e prática, articuladas, enriquecem a atuação e o desenvolvimento profissional, assim como contribuem para a relação entre fazer e escrever. Isto é, “fazer”, no sentido de criação-reflexão, do manejo de técnicas para a realização de determinado trabalho. E “escrever”, é o que tomo como ponto central desta discussão, sendo os relatórios alguns dos caminhos das expressões e transmissões de determinadas ações, ou seja, materiais textuais a serem elaborados e compartilhados.

Em minha trajetória, percebo que diversos profissionais desenvolvem práticas criativas, éticas e essenciais no trato com a população atendida, mas, no momento de transformar em texto o que fizeram, observaram, pensaram, falaram e ouviram, emergem dificuldades e dúvidas; o que avalio ser relevante indagar e indagar-se de que ordem ocorrem essas questões.

Escrever bem é um desafio possível de ser superado. Porém, “escrever bem” não significa, unicamente, seguir as regras ortográficas e gramaticais, mas também atentar-se ao conteúdo, ao modo de expressar, aos sentidos, aos princípios éticos, às informações que não são necessárias de serem reportadas em um relatório. Considerando que há diversas modalidades de relatório, cada qual com a sua desenvoltura, intencionalidade e estratégia.

Antes de iniciar a redação de um relatório, recomendo que o/a profissional, concentre-se nas indagações a seguir: Estudei a situação social que envolve a vida desse sujeito e/ou família que, por ora, estou acompanhado? Estudei o caso antes de redigi-lo? Qual é o objetivo do relatório? Qual é o prazo de entrega? Para quem será encaminhado? Quais são as informações que disponho, inicialmente, para começar a escrevê-lo? Apoio-me em qual base ou referência teórica para sustentar as minhas apreensões e análises? Qual estilo de linguagem devo utilizar? Qual é a formatação adequada?

Considero que os pontos de partida para o desenvolvimento de um relatório apropriado estão no estudo e sistematização das informações, das análises, das hipóteses dos possíveis encaminhamentos pensados e dialogados – quando possível e necessário, com outro/a profissional ou equipe de trabalho –, a partir do momento de estudo de um determinado caso. É imprescindível que o/a profissional busque conhecer e se inteirar amplamente da realidade apresentada em determinado contexto, objetivando a superação do que aparenta ser e sem perder de vista, as diferenças existentes entre cada sujeito, território ou situação. E que não se apoie em juízo de valor, nem em experiências particulares de sua própria vida ou terceiros, tampouco no senso comum.

A escuta atenta permite conhecer se a pessoa atendida, ou o grupo familiar, tem acesso ou é excluso dos serviços da rede socioassistencial, por exemplo. A escuta possibilita conhecer, analisar e contextualizar a história de vida do sujeito, contemplando sua visão de mundo e humanidade, sua forma de ser, de pensar, bem como suas relações sociais, culturais, comunitárias, étnico-raciais, religiosas e de gênero.

Tendo o estudo e a sistematização das informações enquanto alguns dos pontos de partida; quando há solicitação para a emissão de relatórios ou a partir da instrumentalidade profissional de cada área[1], identifica-se a necessidade de elaborar o relatório. Por essa razão, sempre oriento aos/às profissionais a observar o propósito do relatório[2]. Assim dizendo, quais são as informações a serem analisadas no estudo que vão ao encontro da apresentação das informações pertinentes ao caso, com vista a alcançar o objetivo que se propõe o presente relatório.

Outro aspecto importantíssimo: os relatórios, da mesma forma que os pareceres técnicos (opinião técnica)[3], devem se comprometer a viabilização de direitos, defesa de garantias, e não ao contrário disso. Afinal, a atuação profissional no âmbito das políticas sociais e demais ações no campo social buscam pensar estratégias de atenção àqueles/as que encontram-se em situação de vulnerabilidade social e/ou já na condição de risco social (quando seus direitos já estão violados por completo).

Um relatório adequado deve ainda ser redigido corretamente, ou seja, evidenciando os conhecimentos teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo, conforme cada área profissional; respeitando a norma culta da língua portuguesa, como bem ressalta Magalhães (2003, p. 31), o relatório:

[…] pressupõe sua identificação com a exemplaridade da língua, numa determinada particularidade institucional e profissional. Assim, assistentes sociais, psicólogos, médicos […] transmitem suas identidades profissionais […]. É de se esperar que sigam a norma culta da língua portuguesa e não adentrem seus escritos para uma linguagem coloquial ou do senso comum.

Portanto, ao consubstanciar-se um relatório, sempre importa organizá-lo a partir da identificação do sujeito, elencar os instrumentais utilizados teórica e tecnicamente para desenvolvê-lo, apresentar a finalidade e assim desenvolver as informações começando por uma breve introdução da situação relatada, e a cada parágrafo apresentar cada situação social[4], de forma descritiva e analítica, desde como se configurou o atendimento e os avanços alcançados a partir das intervenções. E, finalizar sempre o relatório desenvolvendo as considerações até o momento e ratificando o compromisso da equipe.

Por fim, ratifico que o posicionamento deve evidenciar sempre a imparcialidade ética, e embasar a opinião técnica a ser apresentada por meio das devidas competências profissionais e todo acompanhamento técnico desenvolvido.

REFERÊNCIAS

MAGALHÃES, Selma Marques. Avaliação e Linguagem: relatórios, laudos e pareceres. 3. ed. São Paulo: Veras editora, 2011.

MELLO, Flaviana Aparecida de. Instrumentalidade e os instrumentais técnico operativo no cotidiano profissional dos (as) Assistentes Sociais no âmbito de suas ações desenvolvidas nos diversos espaços ocupacionais. In: revista âmbito jurídico. Outubro (2019). Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/outros/instrumentalidade-e-os-instrumentais-tecnico-operativo-no-cotidiano-profissional-dosas-assistentes-sociais-no-ambito-de-suas-acoes-desenvolvidas-nos-diversos-espacos-ocupacionais/. Acessado em: 05 de julho de 2024.


[1] Instrumentalidade significa a capacidade do profissional em exercer sua autonomia isto é, analisar e definir qual melhor estratégia a ser adotada no momento de sua intervenção bem como a escolha do instrumental mais apropriado. É o exercício da capacidade de desenvolver habilidades, táticas mais apropriadas aos objetivos que se traçam quando o/a assistente social está realizando uma intervenção (MELLO, 2019, [s.p.]).

[2] Exemplo de uma finalidadepara desenvolver um relatório, traçada a partir de um caso em acompanhamento: informar ao Centro de Referência de Assistência Social (CREAS) acerca do acompanhamento especializado da citada jovem após seis meses de sua inserção neste equipamento socioassistencial, procurando-se meios de enfrentar os empecilhos sociais cunhados pelo conflito familiar.

[3] Refere-se a opinião fundamentada em que o profissional emitirá acerca de uma situação em que estiver acompanhando e/ou analisando. Deve ser objetivo frente as expressões da questão social e, finalizar desenvolvendo sugestões para futuros procedimentos em face ao caso em tela, sempre fundamentado teoricamente, eticamente e tecnicamente.

[4] Os aspectos que tangenciam a vida de cada sujeito por exemplo: situação familiar, socioeconômica (compreendendo renda, vínculo de trabalho, benefícios, condição de moradia, etc.), educacional (escolarização dos membros, dificuldades de aprendizagem, cursos, etc.), situação de saúde (histórico de saúde), inserção do sujeito/família na comunidade (convivência comunitária, participação em grupos sociais, culturais, de esporte, lazer, etc.), rede socioassistencial (serviços existentes no território e destes quais atendem o sujeito/família).


[*] Assistente social, Mestra em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Formadora da PAULUS, professora com experiência em graduação, pós-graduação, formação e extensão. Servidora pública na carreira de Analista de Assistência e Desenvolvimento Social I da Prefeitura Municipal de São Paulo, lotada na Secretária de Habitação (SEHAB). E-mail: [email protected] – Lattes:  http://lattes.cnpq.br/2189659158769712.