Os impactos da pandemia e do isolamento social

Autores: Alexandrina Brasil do Nascimento Maranduba

A atual pandemia acirra as crises da realidade contemporânea, pois a sociedade sente os seus impactos nas estruturas das áreas: social, econômica, política e da saúde. Obviamente, esses impactos atingem diretamente a população mais pobre, aqueles que não têm condições de realizar as ações de enfrentamento à contaminação com o rigor exigido. 

Em face da histórica desigualdade social, as limitações/ restrições dessa população são diversas, desde o acesso à água potável, passando pela alimentação balanceada, o trabalho, a educação, até outros recursos necessários à integralidade do direito e da proteção social que não são oferecidos para todos. 

A realidade brasileira acerca da disseminação do vírus é bastante assustadora. Os dados estatísticos apresentados pelo Ministério de Saúde através do site covid.saude.gov.br até o dia 14 de julho apresentavam os seguintes números: 3.224.876 contaminados, sendo 2.354.640 recuperados e 105.463 óbitos confirmados. 

Considerando as dimensões continentais de nosso país, compreendemos a complexidade das ações, assim como a urgência de estabelecer planos de contingência e demais medidas governamentais que garantam a proteção social e de saúde aos brasileiros frente à disseminação do coronavírus e suas consequências. Diante desta crise sanitária, ficou ainda mais evidente a importância das políticas públicas e sociais, pois é através delas que se atende a multiplicidade de demandas dos cidadãos. 

Nesse sentido, torna-se imprescindível pensar as políticas em seu conjunto, assim como transformá-las em políticas universais, sob responsabilidade integral e prioritária do Estado. O que acontece, no entanto, é a constatação de que estamos na contramão, ao identificar a precarização das políticas públicas, o encerramento de serviços, os cortes orçamentários e o congelamento de investimentos por 20 anos ( Emenda Constitucional 95). 

Tudo isso torna a conjuntura nacional bastante complexa, algo agravado pelo desalinhamento político-partidário entre as gestões governamentais, o que tem impactado negativamente a contenção da crise sanitária. Em plena pandemia, o governo federal age contrariamente às orientações científicas e realiza a troca de cargos federais importantes com morosidade na sua definição/substituição, evidenciando a fragilidade da gestão federal frente à gravidade da situação. 

No que tange à mídia, percebemos a divulgação de muitas informações sobre a Covid-19 através dos meios de comunicação de massa. Há uma cobertura extensa, com boletins diários sobre o número de contaminados e número de óbitos. Esse volume de informações é importante e necessário, porém, aspectos desfavoráveis também são gerados por essa quantidade de notícias. O desafio que se apresenta é o de saber lidar equilibradamente com todos os dados, estabelecendo um limite adequado e saudável de informações, sem desconsiderar os sentimentos de medo, insegurança e risco que a crise sanitária gera em todos nós. 

Tais sentimentos, além da “overdose” de informações, estão relacionados ao medo da morte, de ser contaminado, de ter o quadro agravado ou de contaminar os membros da família. São preocupações que permeiam o imaginário e que podem trazer implicações à saúde emocional. Para aqueles que já enfrentam problemas de saúde mental, a situação pode ficar mais crítica e avançar para crises de ansiedade e pânico. Dessa forma, realizar um controle crítico para acesso ao grande volume de notícias, sem negligenciar os fatos, é imprescindível à saúde mental. Outro cuidado importante é estar atento às notícias equivocadas e/ou mal intencionadas que circulam pelas redes sociais e têm rápida disseminação. 

A população teve que se adaptar rapidamente às determinações sanitárias que se tornaram obrigatórias: o uso de máscaras, a distância de 2 metros de outras pessoas, a proibição de aglomerações, entre outras. Demais orientações como o uso de luvas e álcool em gel também foram consideradas estratégias importantes para estabelecer barreiras à contaminação. Como o número de contaminados aumentava numa velocidade muito alta, os estudiosos mencionam e não descartam a possibilidade de lockdown – o fechamento completo das cidades –, mas os governos não adotaram essa medida extrema. Foram medidas necessárias para evitar o caos no sistema de saúde, considerando a ausência de recursos materiais e humanos suficientes para atender um grande contingente de pessoas contaminadas pelo vírus, afinal faltam leitos de UTI e aparelhos de ventilação mecânica. 

O maior impacto talvez seja causado pelo distanciamento/isolamento social. Evitar a aglomeração e a circulação em ambientes públicos e privados trata-se de um grande desafio a ser cumprido. Esse exercício requer a conscientização sobre os riscos e a postura rigorosa de cumprir as ações adequadamente, para evitar o contágio da população em geral e, principalmente, das pessoas classificadas como “grupos de risco”. O desafio é grande já que estamos acostumados a exercer a liberdade de ir e vir, e mudar repentinamente não é algo fácil. Além disso, há que se considerar a situação habitacional de muitas famílias numerosas que residem em moradias nas quais não há condições de fazer distanciamento/isolamento. 

Neste período o papel das tecnologias foi absolutamente significativo: o de manter a comunicação e o contato entre as pessoas em suas relações de trabalho, de saúde e pessoais. Elas evidenciaram a possibilidade de reduzir o distanciamento e garantir a continuidade dos vínculos. Vale destacar, no entanto, que esse acesso às tecnologias não está nas condições de vida de muitos brasileiros, de forma que os impactos da pandemia da Covid-19 são diversos quando pensamos a divisão social de classes. 

Nesta situação, temos muitos questionamentos: como garantir o cumprimento destas medidas de isolamento social? Como garantir o acesso igualitário aos recursos pela população? Por quanto tempo viveremos assim? Estas e muitas outras questões precisam ser respondidas, e acredito que as respostas devem partir das autoridades, que têm obrigação e responsabilidade de fazê-lo com ética, seriedade e assertividade. 

Diante do agravamento das questões sociais, o Estado precisa atender as demandas da população com a ampliação de orçamentos para o estabelecimento de políticas públicas. É imprescindível o fortalecimento dessas políticas em seu conjunto, porém quero destacar a urgência da defesa do Sistema Único de Saúde – SUS e do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Houve aumento de violação de direitos e já sentimos os impactos disso na Política de Assistência Social e na sua oferta de serviços, pois um número cada vez maior de cidadãos passou a buscar o programa de transferência de renda, os benefícios de prestação continuada, o auxílio emergencial, o acolhimento institucional, etc. Por isso, são necessários mais investimentos para a ampliação de unidades, de recursos humanos, infraestrutura e equipamentos de proteção individual – EPIs. 

A temática é bastante densa e exigiria outros apontamentos sobre as condições dos serviços ofertados pela Política de Assistência Social em seus territórios, porém destaco algumas questões vivenciadas na prática cotidiana de trabalhadoras do SUAS. No sistema capitalista vigente, a conjuntura sempre esteve desfavorável, mas a pandemia ampliou as crises, de forma que temos um cenário ainda mais complexo, cujo tempo de duração ainda não conseguimos prever. Torcemos para que os resultados das vacinas que têm sido testadas cheguem brevemente para conter esta doença em escala global. 

Muitos são os esforços para sanar as problemáticas vivenciadas e, embora as estatísticas apresentem um cenário desestimulador, são significativas as ações e estratégias desenvolvidas por um conjunto de atores para resistir e construir outra realidade: os cientistas, as universidades públicas, os profissionais de saúde, os trabalhadores da Assistência Social e outras categorias profissionais. São grupos que têm feito enfrentamentos em prol do bem comum, mostrando que as lutas permanecem com os movimentos sociais, os militantes e o conjunto de trabalhadores. 

Os desafios são muitos, porém, acreditar, agir, cobrar, fazer, investir, ampliar são caminhos para avançar na direção do direito à vida e à saúde com dignidade.

Alexandrina Brasil do Nascimento Maranduba é assistente social, servidora pública municipal e trabalhadora do SUAS. É especialista em Gestão e Serviços do Sistema Único de Assistência Social, pela Fapcom, e em Envelhecimento pela Unifesp.

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