O mundo do trabalho no século XXI – As fragilidades e os impactos na gestão do trabalho do Sistema Único de Assistência Social – SUAS

Autores: Iara Martinho, Jessica Viana, Joselaine Martins, Regiane de Souza, Solange Guedes, Tarceli Clarice Silva

No desenho de um sistema único, destaca-se a proposta de gestão dos recursos disponíveis para a operação cotidiana e qualificada de uma política pública com a dimensão da Assistência Social, exigindo da gestão novas configurações no trato com equipes de trabalho, recursos técnicos, tecnológicos e demais condicionantes que garantam à população a oferta de serviços mais qualificados, eficientes e de acesso universal. Essas premissas constituem o eixo estruturante de uma política de defesa e garantia de direitos de famílias e comunidades que diariamente demandam atenção e atendimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no país. 

A despeito dessas constatações e certezas, o panorama atual da oferta de serviços do SUAS exibe um conjunto de situações que fragilizam seus resultados e nos permitem, empiricamente, perceber suas causas nos evidentes vestígios de precarização na oferta dos serviços, sobretudo no que se refere às condições de trabalho e suas implicações no desempenho dos profissionais envolvidos. Para o desenvolvimento da proposta de pesquisa do grupo, lançamos mão primeiramente do histórico das grandes mudanças contemporâneas acontecidas no mundo do trabalho, nas sociedades ocidentais, a partir do suporte teórico da filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975), que nos apresenta três atividades presentes na vida humana: “labor, trabalho e ação” (2007, p. 15):

O “labor” trata-se da condição biológica do ser humano, ou seja, os mecanismos vitais utilizados e incorporados com o desenvolvimento do ser para que se viva até o seu fim, ou seja, faz parte da condição humana, sendo a própria vida. O “trabalho” é o artificialismo do ser humano no mundo; faz um mundo artificial de coisas, claramente diferente de qualquer ambiente natural. A existência do ser humano não é um eterno ciclo vital e a mortalidade não é compensada por esse ciclo, ou seja, as pessoas têm um tempo para viverem como seres humanos, mas há uma finitude para a vida, contudo, o trabalho individual no tocante à produção de coisas transcende todas as vidas individuais. A “ação” significa a pluralidade da condição humana, sendo assim, é a atividade realizada entre os seres humanos sem a mediação das coisas, mas pelo fato de sermos todos iguais e, ao mesmo tempo, diferentes entre si e existentes em enorme quantidade – pluralidade.

Também como recurso bibliográfico, citamos outro filósofo, precursor de Arendt, o também alemão Karl Marx (1818-1883), para quem o trabalho, ao mesmo tempo em que traz satisfações coletivas, promove uma transformação no homem, através da interação desta construção. Para ele, o caráter ontológico do trabalho, do ser natural ao ser social, é fundamental para a sua socialização. Ele cita que não há um ser social sem trabalho, sendo o “trabalho” essencial para a mediação entre o homem e a natureza.

Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade (MARX, p. 2).

No contexto da realidade brasileira atual, verificamos a necessidade de adensar a proposta reflexiva deste artigo e direcionamos nossa análise para um eixo estruturante no âmbito do Sistema Único de Assistência Social, que é o eixo da gestão do trabalho, tendo como enfoque a problematização da precarização do trabalho e seus impactos no cotidiano do trabalhador do SUAS. É importante destacar que, somente a partir da Constituição Federal de 1988 e da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (1993), a Assistência Social foi reconhecida como Política de Seguridade Social não contributiva e Proteção Social Pública. O Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS (2005) aprovou um novo texto para a Política Nacional de Assistência Social, estabelecendo cooperação federativa e bases organizativas para implantação do SUAS. Nesse texto, há o reconhecimento de que os recursos humanos não haviam sido priorizados conforme citado na PNAS: 

O tema recursos humanos não tem sido matéria prioritária de debate e formulações, a despeito das transformações ocorridas no mundo do trabalho e do encolhimento da esfera pública do Estado, implicando precarização das condições de trabalho e do atendimento à população (PNAS, 2004, p. 53).

A partir da contribuição do autor Renato Paula (2014, p. 254), que trata da questão do Trabalho e processos de trabalho no SUAS, é possível observar outros aspectos da precarização no âmbito do SUAS. O autor evidencia as contradições fundamentais das sociedades de mercado, ao apontar que o trabalho associado à geração de lucro é entendido como “única forma de sociabilidade moralmente aceita pela sociedade”. Tal perspectiva está na contramão dos trabalhadores sociais, que, mesmo estando na divisão técnica social do trabalho, respondem inversamente a essa lógica de mercado.

Os processos de trabalho não vinculados à geração de riqueza sofrem uma valorização negativa, isto é, são considerados atividades de segunda categoria. Isso implica em outra contradição: atividades consideradas “subalternas” se tornam essenciais para a manutenção do “progresso social” (agudizador da desigualdade), ao mesmo tempo em que ocorrem em condições cada vez mais precárias (PAULA, 2014, p. 256).

Como pontos de análise em curso, tratamos de cinco indicadores de precarização mencionados pela pesquisadora Raquel Raichelis (2011, p. 45) ao citar Druck (2009), os quais serão transpostos a seguir:

a) Das formas de mercantilização da força de trabalho, que produzem um mercado de trabalho heterogêneo e marcado por uma vulnerabilidade estrutural; 

b) Do processo de construção das identidades individual e coletiva, que produz desvalorização e descartabilidade das pessoas e aprofunda o processo de alienação e estranhamento do trabalho; 

c) Da organização e das condições de trabalho, que ampliam o ritmo do trabalho e a definição de metas inalcançáveis, produzem a extensão da jornada, a polivalência, a rotatividade, a multi exposição aos agentes físicos, químicos, ergonômicos e organizacionais que conduzem à intensificação do trabalho, potencializada pelo desenvolvimento tecnológico da microeletrônica; 

d) Das condições de segurança no trabalho, que, fragilizadas, produzem diluição de responsabilidades entre estáveis e instáveis; 

e) Das condições de representação e de organização sindical, que ampliam a fragilidade sindical e os efeitos políticos da terceirização.

Compreendemos, a partir deste artigo, que a temática em torno da precarização do trabalho e dos impactos na saúde dos trabalhadores é complexa, uma vez que estamos imersos na crise contemporânea do capital e numa crise sanitária, as quais provocam antigas e novas configurações de precarização e, consequentemente, desencadeiam os processos de adoecimento e sofrimento conforme procuramos apresentar nesta pesquisa bibliográfica.

* Compilação do Trabalho de Conclusão de Curso, em fase de pesquisa, do curso de pós-graduação lato sensu “Gestão em Serviços do SUAS”, realizado na FAPCOM – Faculdade PAULUS de Tecnologia e Comunicação, em São Paulo/SP, sob a orientação da professora doutora Marcia Moussallem

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