Mulheres em cárcere e políticas públicas

Ana Lucia Souza da Silva, Edilene Teixeira Silva, Janete Alves Moreira Cirino , Kenia de Lima Sales , Simone Ferreira da Silva Santos

A partir da escolha desse tema, por meio de pesquisa bibliográfica analisamos a questão da mulher em cárcere e as políticas públicas vigentes no Brasil, voltadas a assegurar a garantia dos direitos de cidadania a essa população. Aborda-se o histórico do sistema carcerário, sua origem e seu desenvolvimento no Brasil a partir do código penal e suas regulamentações. Desse modo, apresentam-se dados quantitativos, que permitiram traçar o perfil da população carcerária feminina no contexto brasileiro, com recorte no Estado de São Paulo de acordo com os últimos relatórios do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) e do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN).

A partir das perspectivas das políticas públicas para esse gênero da população, abordam-se as políticas sociais de atenção à mulher em cárcere e egressa no que se refere às legislações vigentes no país. Ainda no tocante aos direitos humanos, discorre-se a respeito da Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos acordos internacionais nos quais o Brasil é signatário para a garantia de direito da população carcerária.

Neste contexto, na conjuntura nacional das unidades prisionais, na ausência de efetividade das normas vigentes para a população carcerária, a atuação de movimentos de defesa contra a violação de direitos ao apenado torna-se relevante frente aos debates de construção e efetivação das políticas públicas.

AS PRISÕES: CONTEXTO HISTÓRICO BRASILEIRO

Na idade antiga, não havia um código de regulamento social efetivo, foi um período marcado por formas violentas de punição. Na Idade Média, o sistema era feudal, com inserção de preceitos religiosos, sendo o cárcere mantido em custódias, com aplicação de castigos corporais, pois inexistia uma arquitetura específica. Na contemporaneidade, as transformações do modelo de organização social feudal transitaram para a constituição do Estado moderno, período em que o cárcere guardava os corpos dos condenados até a aplicação do castigo. No século XVIII, o sistema foi modificando em defesa da vida, sob a lógica de pena privativa de liberdade, como forma efetiva de controle social.

O SISTEMA PENITENCIÁRIO NO BRASIL

No indicativo do perfil da população carcerária, os dados do INFOPEN – Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias registraram, em 2017, um quantitativo de 726.3 mil pessoas privadas de liberdade no Brasil. A faixa etária predominante apontou mulheres entre 25 e 29 anos, solteiras, com dois filhos e, quanto à etnia, a maior parte é negra. Em relação à escolaridade a maioria não concluiu o ensino fundamental. O principal tipo penal está relacionado ao crime de drogas, sem violência ou grave ameaça.

Em pesquisa realizada pelo DEPEN, os dados do Estado de São Paulo apontaram que no ano de 2016 havia cerca de 40.970 mulheres aprisionadas. Já no ano de 2017 eram 37.830. Acredita-se que essa redução se deu após a aplicação da Lei Nº 13.257/16 (Marco Legal da Primeira Infância), que alterou o código penal trazendo alternativas para a prisão. Segundo INFOPEN 2017, o Estado de São Paulo é o que mais encarcera mulheres. Por outro lado, é importante compreender que esses dados estão relacionados a uma série de questões sociais, econômicas e culturais que colocam essas mulheres nesse processo de vulnerabilidade social.

Durkheim (1963) afirma que um fato social corresponde a fatores sociais relacionados a regras e valores, norma de conduta social a qual os indivíduos devem agir de acordo com os padrões culturais, nessa direção um fato não está dissociado da realidade a qual elas vivenciam, desse modo Durkheim pontua:

Um fato social não pode, portanto ser dito normal, uma espécie social determinada, não ser em relação a uma fase, igualmente determinada, de seu desenvolvimento, em consequência, para saber se ele tem direito a essa denominação, não basta observar sob que forma ele se apresenta na generalidade das sociedades que pertencem a essa espécie, é preciso também ter o cuidado de considerá-las na fase correspondente à sua evolução. (DURKHEIM,1963, p.60)

Conforme supracitado, o histórico do sistema prisional brasileiro é marcado por desafios e avanços. Para efetivação e garantia de direitos, temos as políticas sociais com a finalidade de atender as demandas da população. No que tange às mulheres egressas, essas políticas também atendem seus dependentes com a centralidade da família na oferta da proteção social. Algumas dessas principais políticas públicas são: Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS 1993, Política Nacional de Assistência Social – PNAS 2004, Política de Atenção Integral à Saúde Integral da Mulher – PNAISM 2004, Sistema Único de Assistência Social – SUAS 2005, Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional – PNAMPE, Portaria Interministerial nº 210/2014, Convive – Política da Defensoria Pública do Estado de São Paulo – Deliberação CSDP nº 291, de 14 de fevereiro de 2014.

DIREITOS HUMANOS E MULHERES

Ao longo do desenvolvimento histórico, a humanidade foi capaz de atos de grande barbárie, causadores de muita destruição e sofrimento. Apesar da existência da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e regras específicas de Bangkok, além de outras modalidades de direito, expressos em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, quando se analisa o sistema prisional feminino brasileiro, é possível verificar que as mulheres apenadas têm sofrido constantes violações de direitos já garantidos. Assim sendo, é imprescindível que o Estado atue de forma efetiva, com o objetivo de que sejam assegurados os direitos humanos das mulheres encarceradas.

Dessa forma, a conjuntura nacional e a política do sistema prisional no Brasil são acentuadas com violência e massacre. Temos historicamente movimentos sociais e coletivos que fazem defesa de direito à população carcerária, como por exemplo, a Pastoral Carcerária, Instituto Terra Cidadania e Trabalho (ITTC), Conectas Direitos Humanos, entre outros que atuam no enfrentamento às violações de direitos humanos. No que se refere às políticas públicas realizadas pelo Estado, elas permitem compreender a ação pública em prol da qualidade de vida da população e garantir a efetivação dos direitos humanos. Entretanto, fica evidente a violação de direito inclusive da população carcerária, que está sob custódia do Estado. Consideram, contudo, uma política penal menos repressiva centrada no caráter ressocializador, desencarcerador e articulado com as redes de proteção intersetorial.

Dentre os instrumentos normativos existentes na legislação voltada para especificidade da mulher em cárcere, ressalta-se a importância de promover registros e sistematização dos dados, desde o momento da prisão até o ingresso no sistema prisional, com medidas que contemplem as necessidades das mulheres e de seus filhos (as) no sistema penal e aplicação de normas vigentes desde as audiências de custódias até o tipo de pena estabelecida priorizando a prisão preventiva pela domiciliar.

CÁRCERE NO CONTEXTO DE PANDEMIA

Considerando a atualidade, em março de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia mundial, doença causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). Com várias medidas restritivas para diminuir o contágio entre os continentes, foram realizadas recomendações da OMS – Organização Mundial da Saúde – e, posteriormente, do Ministério da Saúde, com objetivo de conscientizar a população. Conforme nota técnica publicada pelo DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional –, foram suspensas às visitas nas unidades prisionais e atividades laborais entre outras medidas de combate e prevenção contra a Covid-19. Para a região Sudeste, foi desenvolvido o Projeto Conexão Familiar que estabelece comunicação do preso com sua família por meios eletrônicos.

Durante a pesquisa, percebemos a escassez e a ineficiência da efetivação das políticas sociais voltadas para as mulheres em cárcere e egressas, o que nos leva a considerar um desinteresse do Estado em implementar estratégias para as políticas públicas que atendam essa população. Considerando os objetivos e metas de promoção e articulação intersetorial para aprimoramento da PNAMPE, não há clareza ou recomendação da articulação da política de assistência social com o sistema prisional no período de custódia da mulher em cárcere; apenas recomendação de atendimento para acesso as ofertas do SUAS aos dependentes e egressos.

Embora existam políticas públicas normativas que tratam do encarceramento em massa, o Brasil ainda precisa avançar, pois se verifica a falta de aplicabilidade para a efetivação dessas políticas e um aumento expressivo do aprisionamento feminino. O país historicamente tem um caráter punitivo em relação às pessoas encarceradas e com isso comete várias violações de direitos.

Portanto, é de suma importância implantar programas e projetos de reinserção social na perspectiva de reintegrar essa população na sociedade, considerando as possibilidades de penas alternativas e cumprimento de outras modalidades de regime. O aumento da taxa de aprisionamento das mulheres reflete a desigualdade social, de gênero e racial. No apontamento do perfil das mulheres em cárcere, em geral, são mulheres que cometeram crimes relacionados ao tráfico de drogas, com baixa periculosidade.

Dessa forma, é dever do Estado garantir à mulher em cárcere condições dignas de sobrevivência, para o cumprimento da pena privativa de liberdade, quando não for possível o cumprimento em outro regime. Contudo, entendemos que este é um tema complexo e inesgotável de investigação e análise, bem como um campo que necessita estar na agenda de todas as políticas públicas. 

*As referências bibliográficas podem ser lidas no trabalho completo.

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