Gestão territorial no Sistema Único de Assistência Social – Limites e possibilidades

Autores: Amanda Aparecida Costa, Ana Maria Pereira de Brito, Celina Mara Araújo Maranhão, Elaine Contão Yamane, Ricardo Kaisserlian de Figueiredo, Silmara Aparecida Alves Souza da Silva

UM SERVIÇO PARA TODOS

Esta pesquisa tem como proposta, a partir da perspectiva da Política Nacional de Assistência Social, abordar e dialogar sobre a gestão territorial no SUAS – Sistema Único de Assistência Social no que concerne aos desafios e possibilidades da articulação territorial em diferentes categorias de ação. Com o objetivo de buscar elementos empíricos para a análise e para qualificar as reflexões teóricas, optamos por elaborar um questionário por meio de formulário on-line para ser respondido por profissionais que atuam na gestão de serviços da Proteção Social Básica. 

A partir dos dados da pesquisa, identificamos que os desafios apresentados pelos participantes são consequências da não priorização da gestão territorial nas atividades de atuação do CRAS’s – Centros de Referência de Assistência Social. Inicialmente o artigo discute as categorias de território, redes e gestão territorial no SUAS. Em seguida apresenta a metodologia da pesquisa de campo realizada por meio de formulário on-line e análise dos dados coletados. A conclusão pontua algumas propostas para efetivar a promoção da gestão territorial no SUAS, à luz das respostas coletadas. O objetivo deste trabalho é contribuir para que a Gestão Territorial seja compreendida como essencial para a consolidação e para o fortalecimento do SUAS, e para a promoção dos direitos sociais.

COMPREENDENDO O SIGNIFICADO DE TERRITÓRIO

A categoria território é alvo de discussão pelos estudiosos da área da geografia, área da ciência que estuda o espaço geográfico e a relação entre a sociedade e o meio. Na década de 90, o geógrafo Milton Santos apresentou um novo entendimento sobre a temática: “É o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele o objeto da análise social” (SANTOS, 2005, p. 255). O autor define o “território usado” como espaço humano, isto é, espaço habitado que pressupõe objetos e ações.

…] o território em si não é um conceito, ele só se torna um conceito utilizável para a análise social quando o consideramos a partir do seu uso, a partir do momento em que o pensamos juntamente com aqueles atores que dele se utilizam. (SANTOS, 2000, p. 22).

As territorialidades manifestam as relações, interações e intervenções dos sujeitos sociais no seu “pedaço de chão”, podem se apresentar de forma diversa e contraditória, traduzida através da apropriação daquele espaço (ARREGUI; KOGA; DINIZ, 2018). 

A forma de atuação e estruturação das políticas sociais no Brasil segmentam a realidade social, marcadas pela seleção de públicos-alvo (KOGA, 2013). Essa forma de atendimento gera o desmembramento das famílias e populações pelas políticas sociais, o que implica estar cada vez mais distantes da efetivação da cidadania e da proteção social integral. É indispensável compreender os contextos e as condições objetivas dos territórios para ultrapassar o reducionismo do olhar individual ou familiar na promoção das políticas sociais (KOGA, 2013). 

Um dos documentos regentes da PNAS traz em seu escopo a necessidade de agregar ao conhecimento da realidade a dinâmica demográfica associada à dinâmica socioterritorial em curso (PNAS, 2005). Ou seja, a própria Política Nacional de Assistência Social entende que para a efetivação dessa política pública é necessário o conhecimento do território que está em movimento. Ele não é estático, ele é dinâmico, ele transforma e pode ser transformado.

CONCEITOS DE REDES

Entende-se por rede uma teia de sentidos em variadas direções. Poderia relacionar a rede como a articulação de ações, que de forma isolada e fragmentada se mantém enfraquecida e inoperante. Porém, a rede passa a ter um sentido próprio quando configurada ao conjunto de ações integradas e continuadas. 

REDE INTERSETORIAL

A intersetorialidade continua sendo um desafio e caberá a gestão descentralizada, de caráter público, gerir ações intersetoriais na efetivação das políticas públicas e da promoção dos direitos sociais. 

Materializa-se mediante a criação de espaços de comunicação, de compreensão sobre o território, escuta, comprometimento e ações concretas que visem a melhoria da qualidade de vida da população. Sposati (2009, p. 45) destaca que “deve ser, então, construída uma relação de complementariedade entre as políticas”

REDE SOCIOASSISTENCIAL

A rede socioassistencial está tecida no âmbito da proteção social básica e da proteção social especial no SUAS – Sistema Único de Assistência Social, sendo concretizada pela implantação de unidade pública estatal descentralizada (CRAS e CREAS) em parceria com as Organizações da Sociedade Civil presentes nos territórios. 

Essa efetivação requer um processo contínuo de trocas/formação dos atores envolvidos, sendo necessário evidenciar protagonistas no decorrer de todo o processo a ser construído.

REDE POPULAR

A rede popular cria relações entre pontos mediante ligações entre eles que formam malhas de maior ou menor densidade. No ponto de ligação acontecem as trocas, comunicam pensamentos, experiências e recursos, aproximam suas realidades locais e distantes. 

Com ações contínuas de articulação territorial com a rede popular, socioassistencial e intersetorial é possível integrar os diferentes atores na identificação de estratégias sincronizadas na gestão territorial. Para isso é importante analisar as vulnerabilidades sociais existentes, os fenômenos contextuais e compreender a especificidade do público local. 

GESTÃO TERRITORIAL NO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

A gestão do território deverá ser realizada pelo coordenador de CRAS juntamente com a equipe técnica, e prevê a atuação preventiva a partir da oferta do PAIF – Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família, e a Gestão Territorial da Rede Socioassistencial. 

A PNAS prevê a Vigilância Social: “refere-se à produção, sistematização de informações, indicadores e índices territorializados das situações de vulnerabilidade e risco pessoal e social que incidem sobre famílias/ pessoas nos diferentes ciclos da vida”. (BRASIL, 2005, p. 39-40). 

Nesta perspectiva, a Assistência Social passa a ser pensada e definida a partir de um território com suas hierarquias, relações, redes, proteções e desproteções.

ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

Um dos principais aspectos positivos da gestão territorial, está no “entendimento das redes sobre os serviços do CRAS e das OSCs” presentes nesse território, que possibilitam uma intervenção pautada na descentralização e participação social na construção e execução do SUAS. Além disso, da importância da “construção coletiva com os atores das redes socioassistencial, intersetorial e popular”. 

Quanto às dificuldades para implementação da gestão territorial, 76% das respostas apresentam a “sobrecarga de trabalho da equipe técnica e a redução de equipes nos serviços”. Identificamos a necessidade de superarmos a lógica da resolução dos problemas e nos situarmos numa perspectiva preventiva e empoderadora ao colocar no centro de nossa atenção a mudança na qualidade dos relacionamentos sociais. 

A grande maioria dos profissionais sentem-se de forma “quase, pouco ou eventualmente” preparados com o que desempenham na gestão territorial no SUAS, sinalizando a necessidade de capacitação e treinamentos com a supervisão técnica. 

Estes elementos nos permitem concluir que já existe por parte dos profissionais que responderam esta pesquisa uma ideia, referência e até iniciativas que contemplam o trabalho de gestão territorial no SUAS, apesar de reconhecerem a importância da educação permanente em relação ao tema. O que falta é a maior efetividade deste trabalho pela Gestão da Assistência Social dos municípios, dando maior suporte técnico, físico e estrutural, para viabilizar a consolidação do SUAS.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se pretende mostrar em todo esse percurso é que a análise dos dados demonstrou que o tema da Gestão Territorial no SUAS é relevante e urgente. Com isto, pode-se identificar alguns dos desafios enfrentados pelos Coordenadores para a execução da gestão territorial. Observou-se que as equipes estão sendo engolidas pelas burocracias cotidianas e sobrecargas de trabalho, e demandas de outras políticas que atravessam a rotina de trabalho. Como no caso do excesso de entregas de cestas básicas, na contramão da execução do PAIF. 

Vale ressaltar que ao Coordenador de CRAS compete desencadear a Gestão Territorial com apoio da equipe técnica. Na realidade muitos deles aprendem no dia a dia como realizá-la, tendo pouco ou nenhum aparato técnico de formação e supervisão para essa tarefa tão importante e indispensável. Apesar da prerrogativa do SUAS, os profissionais não se sentem preparados para atuar na gestão territorial com efetividade. Neste contexto, avaliamos que é de extrema importância que os municípios avancem na implementação integral da Vigilância Socioassistencial, construindo protocolos e fluxos, formalizando e desenvolvendo a gestão territorial como estratégia de intervenção para garantia da autonomia e protagonismo. 

Ao se observar as respostas obtidas na pesquisa, percebe-se que falta maior comprometimento por parte da Gestão da Assistência Social dos municípios, para qualificar a oferta, dando maior suporte técnico, físico e estrutural para a efetividade do trabalho. Concluímos que apenas estar no território, não garante ao CRAS as condições para que a população seja alcançada na sua integralidade pela Política Municipal de Assistência Social.

*As referências bibliográficas podem ser lidas no trabalho completo. 

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