E agora, José?

Por redação

A pandemia do novo coronavírus nos desafia em diversas frentes, exigindo de nós ressignificações dialéticas que possam servir de fundamentos para a humanidade que queremos nos tornar. Para debater o tema, conversamos com dois trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) que participaram, direta ou indiretamente, das ações do programa de assessoramento da PAULUS no ano de 2020: Alessando Tiezzi, assistente social e coordenador da área de Assistência Social da PAULUS, e Aline Figueiredo, assistente social e pedagoga, com atuação em Campinas (SP). 

P.S. — Você esteve presente em algumas transmissões ao vivo da PAULUS em 2020. Qual impacto você imagina que elas possam ter gerado? 

Alessandro Tiezzi: Estive presente em todas as atividades remotas que foram realizadas pela PAULUS em 2020. Destaco que a instituição, nas ações de assessoramento e também de atendimento direto com serviço de convivência e fortalecimento de vínculos, sempre atuou de modo presencial, mas o cenário pandêmico nos conduziu às novas frentes de trabalho para mantermos nossa atuação no campo da Assistência Social. Em 2020, acabamos, de fato, atuando quase que exclusivamente pelo meio remoto. As formações presenciais que estavam em andamento no início do ano foram readequadas para o formato remoto, garantindo a conclusão das atividades e, a partir disso, nossa atuação foi integralmente remota. A tecnologia já estava aí — claro que temos uma discussão sobre o acesso, mas é uma tecnologia presente — e a pandemia acelerou sua utilização como meio de viabilizar a continuidade das ofertas socioassistenciais. Planejávamos para longo prazo algumas atividades híbridas, mas a pandemia nos forçou a colocar em prática essa atuação on-line. 

No intuito de garantir a qualidade que sempre prezamos em nossos atendimentos, com investimentos necessários de infraestrutura feitos pela instituição, conseguimos alguns resultados bem interessantes. Um deles foi a possibilidade de realizarmos atividades formativas do assessoramento sempre ao vivo, ou pelo canal da PAULUS no YouTube ou pelas salas on-line disponibilizadas por algumas ferramentas tecnológicas. Em 2020, realizamos uma média de 11 encontros on -line. As transmissões ao vivo pelo canal da PAULUS no YouTube chegaram a quase 20 mil visualizações. 

Pelo assessoramento da PAULUS, realizamos também pesquisas com as famílias e tivemos 28 municípios participando, com 623 respostas, e isso foi possível através de formulários aplicados de modo virtual. No presencial, não conseguiríamos ter esse alcance, portanto o trabalho remoto trouxe alguns impactos positivos nesse sentido. 

No programa Direito e Cidadania, tivemos algo muito interessante: pessoas de 90 municípios participando efetivamente das formações on-line, possibilitando trocas de saberes entre os diversos públicos dos mais distintos estados brasileiros, em transmissão simultânea pelas diversas salas on-line criadas. 

Quanto ao atendimento direto, aponto que o cenário é muito diferente, com outra metodologia. A experiência nos mostra que o atendimento direto ao público, ou seja, a nossa atuação no serviço de convivência e fortalecimento de vínculos para crianças e adolescentes, deve acontecer de forma presencial. Tivemos a possibilidade de manter minimamente o vínculo com as famílias, mas sentimos muita dificuldade. Realmente, há um número significativo de pessoas que não têm possibilidade de estarem conectadas, seja pelas condições de infraestrutura nas regiões de moradia, seja pelas limitações econômicas para acesso aos equipamentos, como por exemplo, possuir um único aparelho celular para todos os familiares da residência. Embora com um número menor de participantes na interação das atividades remotas, abriu-nos também a possibilidade de estabelecer a discussão sobre a convivência e o fortalecimento de vínculos a partir das ferramentas tecnológicas. Isso expande um horizonte dentro dos Centros de Atendimento da PAULUS. Apesar de entender que o atendimento acontece de forma direta e presencial, na perspectiva da proteção social e até mesmo nas demais seguranças afiançadas, a possibilidade de explorar o mundo digital não pode ser descartada. Temos o dever de levar adiante as discussões do direito ao acesso à internet pelas famílias, principalmente as que vivenciam vulnerabilidades e riscos sociais. A internet e a tecnologia não se apresentam mais como ferramenta, ou seja, como um meio ou instrumento, mas como espaço para exercer a cidadania. Temos que dialogar com essas práticas que estão postas. É uma maneira de construirmos novos entendimentos, inclusive de ofertas diversificadas no campo da Assistência Social, seja no assessoramento pelas atividades formativas em ambientes remotos, seja para qualificar as ofertas — ainda que presenciais — dos serviços de atendimento, que podem ser diretos e, ao mesmo tempo, conectados ao mundo. 

Aline Figueiredo: Participei no formato presencial e on-line das formações ofertadas pela PAULUS no município de Campinas (SP), em épocas diferentes. Considero que o formato on-line trouxe impactos muito significativos, oportunizados por trocas entre pares, contato com trabalhadores de outras realidades, cidades e estados, e pela riqueza do pensar, coletivamente, em novas abordagens e estratégias remotas para esse cenário que infelizmente está posto, considerando temas caros para esta política: gênero, família, comunidade, regionalidade e empatia. As produções coletivas e a socialização dessas experiências nos permitiram imaginar e criar alternativas de acordo com cada realidade. 

P.S. – O atendimento remoto se tornou e vem se mantendo imperativo nesse período. Como você avalia essa atuação nos serviços de Assistência Social? 

Alessandro Tiezzi: O que eu trago, a partir da atuação na PAULUS, é a possibilidade de conexão ao vivo com outras pessoas por meio da tecnologia. Tivemos essa experiência de termos na sala on-line cerca de 80 a 100 pessoas conectadas, e as trocas foram riquíssimas. Vislumbramos o remoto como mais uma possibilidade de atuação no campo do assessoramento, no que diz respeito aos processos formativos. É importante garantir que seja ao vivo, que a pessoa veja o formador, consiga dialogar e interagir. Explorar também esse ambiente digital para realizarmos pesquisas, além de agilizar encontros e reuniões com os atores da rede socioassistencial. Se a tecnologia for bem aplicada, conseguiremos chegar a locais que no presencial seria mais difícil. É um paradoxo. 

Aline Figueiredo: Infelizmente a desproteção das famílias aumentou e as vulnerabilidades do campo material e relacional fragilizaram-se ainda mais. Fico feliz que nós, trabalhadores da Política de Assistência Social, não tenhamos deixado de trabalhar em nenhum momento para lidar com essa questão. Pelo contrário, intensificamos as nossas ações, a acolhida e principalmente a escuta, para contribuir de forma assertiva com as demandas que chegam, além ser uma rede de apoio para aqueles que necessitam. Tenho muito orgulho e admiração por todos que militam diariamente e buscam quebrar a visão de que a Política de Assistência Social é uma política de enfrentamento à pobreza e torço para que seja reconhecida como uma política de proteção social, independente de renda. 

P.S. — Nesta perspectiva, como fica a atuação do controle social, especificamente? 

Alessandro Tiezzi: Eu penso que demanda muito diálogo da rede socioassistencial com o Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS). Assim, será possível essa construção coletiva das diversas formas de atuação e de ofertas da Política de Assistência Social. É importante que o CMAS possa, junto com as entidades, discutir e definir os critérios de atuação e de monitoramento. 

Aline Figueiredo: Nesse momento, devemos intensificar ainda mais a função de vigilância dessa política e pensar — através de ações, indicadores e vivências — quais são os territórios, espaços e demandas que surgem no cotidiano dessas famílias. Cabe a todos os trabalhadores e organizações exercitar essa função e contribuir para a produção de um cenário mais protetivo. Participar dos espaços de controle social ofertados e conseguir pautar as necessidades deste momento, com propostas de atuação coletiva, a meu ver, contribuirá para minimizar dores e perdas que acontecem diariamente, sem centralizar apenas em um ator, mas de forma intersetorial e integrada. A tecnologia contribui muito para que esses encontros aconteçam e sejam efetivados através de ações qualificadas e integradas. 

P.S. — Passado um ano de pandemia, com a real probabilidade de que tenhamos ao menos mais um ano, quais serão os maiores desafios da Assistência Social no pós-pandemia? 

Alessandro Tiezzi: Esperamos a manifestação das mais diversas vulnerabilidades sociais enfrentadas pelo público-alvo. Será necessário readequarmos nossos serviços a fim de contribuir com espaços de diálogos com as famílias e buscar fortalecer a rede socioassistencial para enfrentar esses desafios. Vamos ter, de fato, que compreender as vulnerabilidades apresentadas e buscar alternativas de atuação quanto ao acesso a direitos e serviços. 

Aline Figueiredo: Acredito que o desafio seja reconstruir laços, afetos e partilhas tão significativas que existiam no dia a dia, com abraços, carinhos e sorrisos carregados de emoção e de esperança. Reconstruir relações e ressignificar a vida de quem ficou aqui, em luto pela perda de entes queridos. Reconstruir sonhos como trabalho, estudo, moradia e outras coisas que o coração de cada um traz; reconstruir histórias e visões de mundo com muito trabalho e dedicação para garantir as seguranças da Política de Assistência às pessoas que dela necessitam: acolhida, autonomia, convivência e sobrevivência.

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