A participação das mães solo na garantia de direitos dos seus filhos

Autores: Acácia de Castro de Freitas, Diunei Conceição de Andrade, Marcela Faria de Almeida, Paulo Vitor da Silva Cruz, Sonia Aparecida Amante Lopes

Atualmente, milhares de crianças no mundo são criadas por mães solo. Essa realidade persiste há vários séculos e essas mulheres são colocadas, muitas vezes, em condições subumanas para conseguir recursos para a manutenção de suas vidas. Por vivermos em uma sociedade patriarcal, as mulheres são tipicamente rotuladas de forma preconceituosa por conta do contexto social e desse arranjo familiar. 

É muito comum escutarmos a expressão “mãe solteira” para se referir àquelas mulheres que criam sozinhas os seus filhos. Se o pai não divide a criação com a mãe igualitariamente, se responsabilizando por 50% do tempo, ela ainda será considerada uma mãe solo – mesmo que ele coloque seu nome na certidão de nascimento do filho, pague a pensão e veja a criança algumas vezes durante a semana. Cuidar e criar envolve tudo aquilo que gira em torno da vida dos pequenos. Infelizmente, ainda existe uma cultura que viabiliza esse comportamento masculino de isenção perante a paternidade. 

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017, mais de 57 milhões de lares brasileiros são chefiados por mulheres, o que significa algo em torno de 40% das famílias do país. Desse total, aproximadamente 57% vivem abaixo da linha da pobreza. Entre as mulheres negras, a proporção sobe para 64,4%. Hoje, 26,5% de brasileiros são considerados pobres, segundo a Síntese de Indicadores Sociais (SIS-IBGE), que segue o parâmetro adotado pelo Banco Mundial para definir a pobreza (famílias que vivem com até US$ 5,5/R$ 25 por dia, por pessoa no domicílio). 

Mães solo encaram preconceitos e enfrentam discriminações para encontrar trabalho. Somam- -se a isso um Estado ausente, a raridade de creches e os preconceitos de toda ordem desta sociedade sexista, que agrava as condições de vulnerabilidade dessas mulheres e suas famílias. 

Os direitos e deveres de uma mãe solo são os mesmos no que tange aos cuidados de qualquer criança ou adolescente, como garante o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, que prevê que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com prioridade absoluta, o direito à vida, à saúde, à alimentação, àeducação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988). Os mesmos direitos, com igual prioridade, são defendidos pelo artigo 4º do ECA (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990). 

O direito da criança inicia na gestação, conforme a Lei nº 11.804 de 05 de novembro de 2008 e conforme descrito no ECA, que afirma o direito da mulher gestante à alimentação e a outros itens, como a cobertura de despesas decorrentes da concepção, da alimentação especial, da assistência médica e psicológica, de exames complementares, de internações, do parto, de medicamentos e demais prescrições pelo médico e o que o Juiz considere pertinente (BRASIL, 1990). 

Os primeiros deveres da mãe para com o filho são o cuidado durante a gestação e, em sequência, o registro civil, sendo esta a primeira condição para garantir a cidadania de um indivíduo. Após os primeiros compromissos com o filho, qualquer mãe tem uma série de responsabilidades relacionadas ao desenvolvimento integral da criança. Porém, em alguns casos, isso é negligenciado devido a uma série de fatores ligados tanto à rotina da mãe quanto aos serviços públicos disponíveis. Enquanto os estabelecimentos de atendimento da saúde e educação devem proporcionar condições para o atendimento integral da criança, em paralelo, os pais ou responsáveis devem apoiar todo o processo. 

Sabe-se que as leis e os serviços são de suma importância para as crianças e adolescentes terem um desenvolvimento saudável em todos os municípios e Estados do Brasil. Infelizmente, isso não acontece conforme previsto em lei, seja por falha dos serviços, dos Conselhos Municipais de Direitos, da articulação das Redes de Proteção, da própria sociedade, dos governantes ou da própria família, por diversas motivações. Realizar o cuidado dos filhos é sempre um desafio, principalmente quando a mulher se encontra sozinha para tal exercício, surgindo assim a necessidade de se reinventar diariamente. Dentro da Política de Assistência Social existem diversos serviços, programas e projetos que dão suporte para as mães solo e possibilitam sua autonomia e emancipação, de acordo com as realidades individuais. Para que haja mudanças na vida familiar de indivíduos que solicitam os serviços de atenção à família, é imprescindível o estabelecimento de processos de atenção que deem suporte para o enfrentamento dos problemas sociais gerados no cotidiano de uma sociedade movida pela intensificação da desigualdade social. Porém, isso nem sempre é suficiente. 

Em paralelo a essa realidade, há uma grande parcela de mães solo que não estão inseridas nessa política, por não estarem dentro dos critérios de elegibilidade, mas que também apresentam uma série de dificuldades, principalmente sobre a maternidade. Ainda assim, essas mulheres criam, pelas redes sociais, uma rede de suporte própria, como por exemplo: grupos de apoio às mães solteiras; GAMS – Grupo de Apoio à Mãe Solo e o blog Grávida Solteira. As dificuldades da maternidade que esses grupos descrevem não estão apenas nas trocas de fraldas e no choro durante a madrugada, mas também na falta de alguém para conversar, principalmente quando se é a primeira mãe de um grupo de amigos ou quando se é mãe solo. 

Há também aplicativos como o Peanut, um “Tinder para mães”, em que, ao invés de marcar encontros amorosos, mulheres que estão experimentando a maternidade podem conversar, partilhar vivências e aliviar a solidão trazida por essa condição. Em todas as redes de apoio virtual, a ideia é que as mães possam se conectar não apenas para falar sobre seus filhos, mas também para trocar experiências e orientações.

*Excerto de artigo elaborado para a formação “As novas configurações sociais no núcleo familiar brasileiro”, do Programa InovaSUAS, realizada no primeiro semestre de 2020.

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