Os desafios do desacolhimento institucional por maioridade

Autores: Adriana dos Santos, Fernanda Ragonha Ribeiro, Italo Rânifer S. Baptista, Leandro Laurentino da Silva, Luciana Ferreira Ribeiro, Selma do Amaral, Sonia Kelly Vieira da Silva, Thais Nascimento Bitencourt

A escolha do problema foi definida a partir das discussões sobre a fragilidade dos vínculos familiares e comunitários que o jovem acolhido sofre e também os problemas que os jovens que passam anos em instituições de acolhimento enfrentam ao chegar à idade adulta, que é quando deveriam ser obrigatoriamente desacolhidos, mas acabam sem perspectiva de retorno à família de origem ou da inserção em uma família substituta, por tratar-se de adoção tardia. 

O objetivo geral teve como base analisar as problemáticas que possivelmente atravessam o processo de desligamento obrigatório por maioridade civil, visando a uma reflexão crítica acerca dos direitos previstos nos marcos normativos e regulatórios vigentes no país em relação às problemáticas encontradas no próprio processo de acolhimento tendo em vista o desacolhimento por maioridade. 

Neste artigo discorremos sobre uma série de vulnerabilidades que permeiam o desenvolvimento do jovem dentro da instituição até seu desligamento por maioridade civil. A pesquisa rompe com a culpabilização e ultra responsabilização das famílias dos acolhidos. Observando o paradigma dos sujeitos de direitos da Constituição Federal de 1988, que põe o Estado brasileiro como garantidor da vida e das relações sociais. 

Por meio de revisão bibliográfica, buscou-se compreender os desafios envolvidos no desacolhimento por maioridade civil. É possível ler um breve contexto histórico sobre os serviços de acolhimento e o olhar para o desacolhimento e sobre o perfil dos acolhidos, levando em consideração dados da atualidade e do contexto histórico desta categoria. Em seguida, tratamos do papel da família e da comunidade, como espaço que recebe este jovem em desacolhimento, abordando as problemáticas envolvidas nesse contexto. Por fim, a rede e o olhar técnico do profissional constroem a atuação pautada nos documentos norteadores e salientam os atravessamentos que dificultam estes fazeres. 

A reflexão sobre as problemáticas do desacolhimento por maioridade civil, começa pelo retorno à história recente das nossas políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes. Com isso, partimos da Política Nacional de Bem-Estar do Menor (NBEM), executada pela Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM) em 1964. Segundo Albuquerque (2016), ela tinha um caráter assistencialista e tratava a situação de pobreza como questões judiciais e moralistas. A criança e o adolescente de famílias pobres eram tratados como “menor” e vistos com potencial para a delinquência, porque o paradigma minorista enxergava a pobreza como uma questão meritocrática, patológica e criminal. 

De acordo com Silva (2011), a situação do acolhimento institucional antes da Constituição Federal de 1988 tinha uma trajetória caritativa religiosa e os que eram abrigados eram considerados ‘problemas sociais’, o que perdurou por séculos. Albuquerque (2016) ressalta que essa situação se tornou pauta nos movimentos sociais da segunda metade do século XX e as discussões sobre a temática resultaram na Comissão Nacional da Criança e Constituinte (1986). Após o período da ditadura militar e promulgação da Constituição Federal, crianças e adolescentes passam a ser reconhecidos como cidadãos com direitos, contemplando, a partir daí, a ideia de proteção integral. 

Ainda que o cenário do século XXI seja de avanços legais, crianças e adolescentes não estão efetivamente contemplados na proteção integral. Com base no número de crianças no trabalho infantil, que ultrapassa 1,7 milhão, 66,1% são pretos ou pardos (IGBE, 2020). Além da cor da pele, demais fatores envolvendo gênero, idade, deficiência, família e comunidade estão entre as principais categorias de enfrentamento no cotidiano desses atores sociais. O retorno à família de origem ou extensa é priorizado pelas normativas brasileiras, no entanto, nem sempre o adolescente acolhido é reintegrado à família de origem ou colocado em uma família substituta por meio da adoção, pois, de acordo com Rúbio (2018), existem obstáculos inseridos nessa dinâmica do desabrigamento, como por exemplo, o “perfil dos jovens” que não correspondem ao perfil desejado pela maioria dos pretendentes à adoção. 

Frente a essa realidade, o Caderno de Orientações Técnicas (2009) pontua que é importante buscar uma articulação entre os serviços de acolhimento, a Justiça e a rede das diversas políticas públicas visando possíveis encaminhamentos para adoção internacional, inclusão em programas de apadrinhamento afetivo, preparação para o desligamento em razão da maioridade e acompanhamento no período pós-desligamento. Ou seja, atualmente existem políticas estruturadas que evidenciam o rompimento da cultura assistencialista e violadora do passado, que trazem orientações coerentes acerca do serviço como primazia para o trabalho com os acolhidos, colocando a família como protagonista de sua história e evidenciando que toda criança tem o direito de ter os mínimos necessários para ter seu pleno desenvolvimento, ou mesmo o direito básico de conviver no seio familiar e comunitário. 

As considerações finais do presente trabalho apontam que as problemáticas que envolvem o processo de desacolhimento por maioridade civil estão marcadas pelo contexto histórico de caráter assistencialista que ainda permeia olhar sob os serviços de acolhimento e consequentemente sob o estigma da “família pobre”. Uma problemática é o fato de que milhares de crianças e adolescentes que não retornam à família de origem/ extensa, em grande parte não são adotados, por causa das exigências do perfil dos adotantes. A cor da pele, o gênero, a idade, algum tipo de deficiência, a família e a comunidade influenciam na escolha da adoção e esses fatores corroboram com as longas permanências desses indivíduos dentro dos serviços de acolhimento. Moralismos materializados em modos de ser que evidenciam outra problemática para a desinstitucionalização de crianças e jovens, o racismo institucional. 

Outro tópico importante dessa pesquisa é o papel da equipe dentro do Serviço de Acolhimento Institucional, onde se observou as dificuldades de pensar estratégias para o desacolhimento por maioridade que proporcione experiências ao jovem no território e na comunidade, motivando a participação do acolhido nas decisões de seu interesse e potencializando a autonomia desse indivíduo, visto a iminente saída do serviço. No trabalho dentro do serviço de acolhimento, a parte técnica apesar de ter sua execução pautada pelo Caderno de Orientações Técnicas (2009), traz como primazia o retorno do acolhido à sua família de origem e em casos específicos, para a família extensa ou adotiva, mas acabam encontrando dificuldades de pôr em prática o que diz as normativas vigentes. As pesquisas realizadas apontaram a carência de políticas públicas que garantam aos jovens a possibilidade de exercer plenamente sua cidadania. As problemáticas inerentes ao trabalho em rede com o Sistema de Garantia de Direitos, começam quando esses atores não possuem seus papéis definidos. Não buscam ações conjuntas que possam evitar ou amenizar as demandas existentes no trabalho com os acolhidos durante o período institucional ou após o desacolhimento por maioridade. 

Por fim, o desacolhimento por maioridade é um processo permeado por problemáticas que contribuem com as situações de insegurança e angústias na vida desses jovens. Como apontado na pesquisa, pela falta de preparação gradativa para a saída, pelas dificuldades de articulação entre a rede Sistema de Garantia de Direitos, os estigmas enfrentados e a falta de incentivo nas políticas públicas destinadas à jovens egressos dos Serviços de Acolhimento Institucional, que poderiam proporcionar protagonismo e condições seguras com potencial transformador para a vida desses sujeitos.

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