Impacto do distanciamento social na convivência familiar e comunitária

Autor: Alessandro Tiezzi

Há mais de um ano, o mundo vivencia rotinas bem diferentes do que as de costume. A pandemia provocada pela COVID-19 afeta diretamente a saúde do povo, provocando perda de vidas e impactos na economia, com efeitos adversos nos negócios, no comércio, no acesso à educação e outros não tão fáceis de mensurar, resultantes do isolamento social prolongado, como a ansiedade, a perturbação do estado mental e a solidão. 

As informações quanto à necessidade do isolamento social para retardar a disseminação do vírus são divulgadas diariamente, o que nos leva a compreender a importância do combate à pandemia, mesmo que ainda restem pessoas que pensem o contrário, mantendo, de certa forma, hábitos como a aglomeração, não mais aceitáveis neste momento. Ainda assim, considerando que uma parte dos cidadãos mantém o isolamento social, já podemos ouvir de pessoas próximas o impacto que este isolamento causa, não só nos aspectos econômicos, mas também nos aspectos sociais, já que a convivência social e familiar ganhou novos desafios e contornos frente ao isolamento. 

É no ambiente das relações sociais e familiares que o sujeito se transforma, se desenvolve e exerce sua cidadania. No contato com o outro, os valores essenciais à vida comunitária são disseminados. Porém, dado o contexto pandêmico, a fim de preservar vidas, a convivência ficou limitada, e é neste cenário que as vulnerabilidades se manifestam de diferentes formas e graus. 

Encontrar as melhores práticas para manter a convivência familiar e comunitária de forma segura e saudável frente ao isolamento é assunto inesgotável e desafiador. A convivência deve abranger práticas razoáveis, respeitosas, amistosas e sempre voltadas à proteção dos indivíduos, em especial as crianças, adolescentes e idosos. Por isso, foram necessários novos arranjos no relacionamento, com algumas práticas já vivenciadas, mas, ainda assim, com alto grau de desigualdade. 

Ainda que vivenciamos momentos de restrições, é importante dar ênfase à integridade das relações e à convivência familiar entre pais e filhos, netos e avós, pois são muitos os benefícios recebidos através dessa troca de conhecimentos e experiências, tanto na formação dos indivíduos quanto no processo de envelhecimento dos idosos. 

Muitos países, inclusive o Brasil, têm adotado restrições em todo o território, ações que incluem o fechamento de comércios, bares, restaurantes, cancelamento de eventos esportivos e culturais, adoção de teletrabalho, suspensão de aulas presenciais e a adoção do ensino remoto. A convivência passa a ser restrita ao grupo familiar, e a necessidade de ficar em casa resulta em incerteza e sofrimento. Sendo assim, não há como negar que os indivíduos estão com maior carga de estresse gerada pela ansiedade, pelo medo da contaminação, pelo desemprego, pela fome e pelo luto diante das perdas de parentes e amigos. 

A restrição nos ambientes sociais, seja no trabalho, na escola, nos parques e nos shoppings, tem impactado no desenvolvimento das pessoas. As crianças e os adolescentes demandam atenção especial, pois estão submetidos a novas formas de aprendizado e à restrição de espaços propícios ao desenvolvimento de habilidades. Acrescenta-se a essas vulnerabilidades a precarização alimentar, uma vez que grande parcela das crianças tem na escola a única garantia de uma alimentação adequada. 

A privação do convívio social para crianças e adolescentes pode trazer consequências ainda mais graves para o seu desenvolvimento, considerando a ausência de amigos, professores, das práticas esportivas e de diversas atividades que demandam contato social. A garantia da convivência familiar e comunitária é direito fundamental para a formação e o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. 

Em relação ao convívio familiar, podemos considerar mudanças significativas nas rotinas dos membros familiares. Situações já consideradas vulneráveis ganharam mais elementos agravantes. Restrição no contato físico entre filhos e pais cuja relação conjugal foi rompida, ausência das relações com os avós, tios, primos, etc., violências diversas no ambiente familiar, ausência de acesso à renda mínima e à alimentação são algumas situações provocadas pelo contexto atual. 

Mesmo nas famílias que possuem condições emocionais e financeiras mais estruturadas, é preciso considerar a sobrecarga nas rotinas diárias. Pais em teletrabalho e com dificuldades de acompanhar as rotinas escolares dos filhos —também em ambiente virtual — fragilizam a convivência e os laços afetivos. Muitas vezes, a família não consegue estabelecer rotinas de convívio adequadas, seja nas pequenas atitudes como a limpeza do lar ou a preparação das refeições, seja nas rotinas que, construídas em grupo, ajudam a estreitar a relação e a abrir espaços de escuta e troca. 

A convivência não se resume a contatos superficiais e não está relacionada diretamente ao fator tempo. A convivência deve garantir o fortalecimento de laços, vínculos e afetos, estando relacionada a cuidados e responsabilidades. É certo que a convivência ideal é a presencial, viabilizando o contato com os demais indivíduos que compõem a família, mas, no contexto pandêmico, outros meios de contato foram incorporados para a manutenção mínima do convívio. 

O contato por meio telepresencial, ou seja, através de plataformas tecnológicas, em ligações de áudio e vídeo, tornou-se praticamente o único meio para a manutenção da convivência e do fortalecimento dos vínculos comunitários e familiares. Não se trata de substituição ou compensação, mas de uma prática adotada para a preservação dos laços relacionais e até mesmo do trabalho e da renda. 

A manutenção dos vínculos familiares, profissionais e escolares de forma remota, em alguns casos, foi algo que talvez possamos adjetivar como “solução” imediata para a permanência desses laços, sem descumprir as medidas de distanciamento social. É claro que essa alternativa, considerando o tempo em que estamos expostos à pandemia, não afasta os impactos negativos da ausência da convivência familiar e comunitária provocada pelo isolamento, tendo em vista que a necessidade de cuidados de crianças e adolescentes e de convívio social com os demais membros da família nunca será totalmente suprida pelo contato virtual. Isso ocorre, pois a tecnologia proporciona um amparo limitado para nos servir nas necessidades de convívio, uma vez que o acesso ao mundo digital ainda não é possível para todos. 

Tal limitação resulta em exclusão, pois há tempos a internet se estabeleceu como um novo local de exercício da cidadania, ou seja, de acesso a bens e serviços indispensáveis à vida em sociedade e, por consequência, à vida cidadã. Como esse acesso ainda não é democratizado, temos como resultado os relatos nos telejornais de várias pessoas sem acesso aos benefícios governamentais por não estarem conectadas. 

Embora esta seja uma discussão que demande mais considerações, o acesso à tecnologia e ao mundo digital se apresenta ainda mais relevante neste momento, não sendo mais um “meio”, mas um direito de “estar”. As possibilidades reais no mundo digital para o convívio e as trocas demandam o direito de estar virtualmente conectado com a comunidade, seja nas redes sociais, nos grupos on-line e até mesmo na rede de contatos necessários para o mundo do trabalho. 

As possiblidades de aprendizagem são ampliadas, da educação básica até graduações, especializações e cursos livres. Reuniões de trabalho, familiares e de amigos contribuem minimamente para a permanência da vida comunitária ativa, ainda que com várias restrições se comparadas ao presencial. As mídias sociais podem ser usadas para unir pessoas e permitir que haja interação social, desenvolvendo habilidades e mantendo a esperança e a motivação vivas. Podemos acrescentar neste debate o acesso pelos mais velhos às mídias sociais, o que também resulta na manutenção da convivência e da vida. 

Fornecer garantias sobre a utilização da tecnologia, principalmente em um momento em que essa parece ser a melhor opção disponível, deve estar no centro do debate social, visando a garantia desse direito de acesso e a sua efetividade. É importante refletir também sobre a superexposição aos eletrônicos (televisão, celulares, videogames e computadores) e sobre a importância do uso desses equipamentos, dando uma atenção maior às crianças e aos adolescentes, que os utilizam nas rotinas de lazer, diversão, aprendizagem e de convívio. Diante desse contexto, há o agravamento das vulnerabilidades para as pessoas que não dispõem desses recursos e do acesso a internet. Se, tal como vimos, a tecnologia tem sido o principal acesso ao convívio, ao lazer, ao trabalho e à aprendizagem, como ficam aqueles que estão desconectados, considerando que valorizar os laços familiares em casa e os contatos virtuais, agora, está intrinsicamente relacionado com o cuidado e a promoção humana? 

Faz-se necessário entender que a convivência e os vínculos familiares e comunitários são a base da vida em sociedade, e isso também tem sido feito por meio das interações possibilitadas pela tecnologia e pelo acesso à internet, fazendo do espaço virtual também um local de exercício da cidadania. Portanto, dificultar ou restringir o acesso à tecnologia e à internet deve ser encarado como fator de exclusão e de aumento da vulnerabilidade social. 

A pandemia exige de todos os atores da sociedade uma cooperação coletiva para enfrentar as dificuldades impostas — sejam elas financeiras ou emocionais — que comprometam o pleno desenvolvimento dos cidadãos. Quando consideramos a família como núcleo principal no papel de proteção e amparo aos seus membros, entendemos que garantir oportunidades de acesso para o pleno desenvolvimento das famílias é dever de todos. No entanto, revela-se desafiador discutir e elaborar propostas de intervenção diante das mais diversas vulnerabilidades e dos riscos sociais que ameaçam as famílias. 

Neste contexto, torna-se mais urgente a necessidade de políticas públicas e da participação de toda a sociedade organizada na inclusão das famílias em situação de vulnerabilidade e risco social, garantindo seu acesso a bens e serviços, de modo a promover condições dignas à vida humana. O desafio e as vulnerabilidades sempre estiveram presentes, mas tornam-se ainda mais visíveis neste cenário pandêmico, demandando ainda mais atenção e uma agilidade maior nas intervenções. 

A qualidade de vida das pessoas perpassa a manutenção dos laços afetivos, familiares, sociais e comunitários, o acesso à renda e à proteção social. Garantir espaços de convívio, mesmo à distância, é uma necessidade imediata para gerar processos de resiliência, oportunizar vivências de novas formas de enfrentamento das adversidades e melhorar a interação entre os membros familiares. 

*Alessandro Tiezzi assistente Social, Pós Graduado em Gestão de Projetos Sociais, atua como Coordenador da área de Assistência Social da PAULUS.

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