As organizações sociais e o futuro próximo

Por redação

Yuval Noah Harari, o israelense que conquistou o mundo com suas ideias, análises e prognósticos para a sociedade humana em escala global, escreveu, em março deste ano, um ensaio para a revista norte-americana Times intitulado “Na batalha contra o coronavírus, faltam líderes à humanidade”, em que diz: “muitas pessoas culpam a globalização pela epidemia do coronavírus e afirmam que o único jeito de evitar novos surtos dessa natureza seria desglobalizar o mundo (…). Muito pelo contrário. O verdadeiro antídoto para epidemias não é a segregação, mas a cooperação”. 

No mesmo documento, o historiador avança: “Hoje a humanidade enfrenta uma crise aguda não apenas pelo coronavírus, mas também pela falta de confiança entre os humanos. Para derrotar uma epidemia, pessoas precisam confiar nos cientistas especialistas, cidadãos precisam confiar nas autoridades públicas (…) agora estamos enfrentando essa crise com uma vacância de líderes globais que possam inspirar, organizar e financiar uma resposta global coordenada”. 

A boa inspiração do intelectual nos chega sem as hierarquias do saber absoluto e as amarras acadêmicas de autoafirmação dos que continuam no Brasil em um circuito egóico e anacrônico, que atrasa o avanço das humanidades universitárias. Alguns pensadores desse meio fazem circular ideias para o enfrentamento da crise com modelos dos anos 80 do século passado, o que torna quase impossível a efetividade de tais medidas para a realidade atual. 

A pandemia do novo coronavírus trouxe para o mundo diversos desafios, dentre eles a manutenção do funcionamento das chamadas macroeconômicas e derivados. Como desenhar a sobrevivência das sociedades contemporâneas considerando a potencialidade de contágios e o alto percentual de mortes no decorrer disso? Há quem não se importe, mas o tema está na mesa do debate ético e os defensores do direito à vida continuam presentes na discussão. 

Na área social, os desafios são ainda maiores. Se para os setores da produção de mercado estão faltando condições e volume de financiamento, o que dizer da já combalida sobrevivência das estruturas que dedicam sua existência a garantir os direitos dos excluídos, que são impedidos do usufruto de suas cidadanias pela negação de ofertas que lhes garantam os chamados mínimos sociais? 

No Brasil há uma imensa teia de serviços historicamente compromissados com esse resultado. Essa iniciativa, que ganhou status de Política Pública com a Constituição Federal de 1988, Artigo 194, e virou lei complementar de nº 8.742 de 1993 com a promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS, teve vários avanços de forma e conteúdo nas últimas décadas, mas sempre patinou no rastro das concepções de sociedade, de homem e de direitos civis herdadas dos mais de 500 anos que a precederam. 

A pandemia nos traz a consequência dura de assistir os parcos recursos destinados a essa política se tornarem ainda mais escassos, piorando as já precárias condições de financiamento da Assistência Social, seja para as redes públicas, que desenham e mantêm o Sistema Único de Assistência Social disponível para a sociedade, seja para a quase inexistente rede privada, apenas parcialmente estruturada.

Diante do horizonte dantesco das possíveis condições pós-pandemia, a pergunta de um milhão de euros é: como as entidades e instituições que compõem a rede de atendimento à sociedade irão sobreviver daqui para frente sem o financiamento necessário? A Paulus Social ouviu alguns agentes importantes neste tema e traz aqui um resumo de algumas impressões e visões conjunturais. 

Para a presidenta do SINIBREF – Sindicato Interestadual das Instituições Beneficentes Religiosas e Filantrópicas Elaine Clemente, “as transformações, que já ocorreram, que estão ocorrendo e provavelmente ainda ocorrerão, sejam nas mudanças radicais na forma de atendimento ao público, ou no comportamento e relacionamento no ambiente de trabalho, ou ainda na alteração brusca do relacionamento com seus parceiros e financiadores, impactam e ainda impactarão a gestão eficaz das organizações, que em meio à crise causada pela pandemia tiveram que se adaptar para continuar a prestação dos serviços assistenciais à população concomitantemente a perda de recursos para sua própria sustentação”. 

Elaine cita ainda algumas medidas de proteção emergencial para as organizações como “os termos aditivos às Convenções Coletivas de Trabalho que visam garantir as prerrogativas trazidas pela Medida Provisória 936/2020 (Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública, como redução proporcional da jornada de trabalho e de salários e suspensão temporária da jornada de trabalho) e também pela Medida Provisória 927/2020 (visa preservação do emprego e da renda, como o teletrabalho, a antecipação de férias individuais e afins)”. Esses termos são importantes, pois ajudam a conter a crise e preparam o terreno para o devir. 

Para a assistente social Deosolita Silva, especialista em Gestão da Política de Assistência Social que atua no Programa de Assessoramento da Fundação Francisco e Clara de Assis, no município de Diadema/SP, “o SUAS, que é operacionalizado por meio de repasses financeiros em sua grande parte do governo federal, já vem sofrendo cortes drásticos nos últimos anos. Não devemos esquecer que este cenário é somente a concretização do já anunciado nos últimos anos, somente uma grande panela de pressão que explodiu”.

Deosolita acrescenta: “A pandemia causada pela Covid-19 revelou outras fragilidades da área, entre as quais, a falta de conhecimentos e informações mais claras sobre as demandas socioassistenciais da população atendida, o que agrava os cortes recorrentes de financiamento pelos argumentos inconsistentes da maioria dos operadores do Sistema, e a tendência parece ser a continuidade da desqualificação da Política, não só pelo descompromisso recorrente do poder público, mas também pelas heranças históricas que não nos foi possível superar como segmento profissional e como operadores dos mecanismos garantidores de direitos à população”. 

A gerente do Departamento de Assistência Social da PAULUS Dulcinéia Reginato também vê com preocupação o “day after” das Instituições de Assistência Social frente à pandemia do coronavírus: “Há uma forte tendência ao recrudescimento de uma espécie de informalidade no financiamento e na utilização de recursos como o retorno dos voluntariados por generosidade, da distribuição de alimentos, da desconexão do sentido da Política como direito. O aumento da pobreza pela falta de dinheiro circulante para a produção de bens parece agora transformar a área social em um grande e emergencial canteiro de benefícios, sem as condicionalidades que os tornariam Políticas de Estado. Somente uma atuação planejada, articulada e inovadora do setor poderá criar outras alternativas em médio prazo”, conclui Dulcinéia. 

A despeito de a sustentação do funcionamento das Organizações Sociais ser uma preocupação emergente, o que temos visto é a depreciação das vidas humanas. A ausência de líderes competentes e humanistas, a dificuldade de captar e reter recursos, a insegurança pela ausência de vacinas confiáveis e as dificuldades de elaboração de novas metodologias para atendimento remoto, seja pela falta de instrumentos ou de habilidades, são desafios deste tempo para o nosso trabalho. 

Não bastassem nossas responsabilidades de praxe, as realidades políticas, biológicas e econômicas parecem querer nos asfixiar ainda mais. Resistir é preciso. Como pista, podemos recorrer ao raciocínio do professor Harari no mesmo texto já aqui mencionado: “a humanidade esteve ganhando a guerra contra epidemias porque na guerra entre os patógenos e os médicos, os patógenos dependem cegamente das suas mutações, enquanto os médicos se apoiam na análise científica da informação”. Precisamos de mais pesquisa, estudo e ciência em nosso fazer profissional para resistir e vencer.

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